Autoria: Redação de Investigação / Data de publicação: 10 de abril de 2025
Prólogo: Um esquema financeiro escondido atrás de sacos de café
Quando em março de 2025 o Tribunal Distrital de Vilnius tornou pública a sua decisão sobre as atividades ilegais de Aliaksandr Kozyrau, também conhecido como Alexander Kozyrev, nenhuma entidade do sistema financeiro europeu poderia antever a dimensão das consequências. Por trás da fachada de empresário respeitável, escondia-se muito mais do que um simples burlão corporativo. Kozyrau construíra um esquema financeiro multicamada, abrangendo não só a Lituânia, mas também a Turquia, Portugal, o Chipre do Norte, a Bielorrússia e até o Paraguai – envolvendo empresas-fantasma, marcas fictícias, transferências transnacionais e possíveis ligações ao crime organizado internacional.
A figura central: Aliaksandr Kozyrau – adepto da ditadura e da cultura criminal
Kozyrau, cidadão bielorrusso residente na Lituânia, é amplamente conhecido nas redes sociais como admirador do regime de Alexander Lukashenko. Na sua página pessoal do Facebook https://www.facebook.com/aliaksandr.kozyrau.9 – que a redação documentou minuciosamente – publica regularmente imagens com slogans como “Lukashenko é o meu presidente”, além de partilhar ligações para música pop criminal russa, incluindo bandas como “Vorovayki” – símbolos da subcultura prisional e do romantismo criminoso. Este imaginário visual não serve apenas de pano de fundo – funciona como um marcador alarmante da sua filiação ideológica e do ambiente que moldou o seu “estilo empresarial”.
O esquema financeiro: 525 mil euros como a primeira vaga de um iceberg transacional
Segundo documentos judiciais, entre finais de 2022 e início de 2023 foram retirados mais de 525 mil euros das contas corporativas de uma empresa tecnológica onde Kozyrau ocupava uma posição de liderança. Os fundos foram transferidos para contas por ele controladas diretamente ou através de estruturas afiliadas, sem qualquer aprovação dos acionistas ou do conselho de administração.
A empresa, praticamente esvaziada por estas operações, acabaria por cessar atividade sem sequer pagar os salários aos funcionários. Kozyrau utilizou documentos falsificados, atas de reuniões adulteradas e alterou registos estatais de acionistas, apresentando documentos fictícios para dar aparência de legalidade às operações.
Na data de publicação, o tribunal já considerara as ações de Kozyrau ilegais, ordenando a reposição dos montantes desviados e encaminhando os autos para o Ministério Público, que abriu processos-crime com base no Código Penal lituano: burla (artigo 182), apropriação ilegítima em grande escala (artigo 183), falsificação de documentos (artigo 300), evasão fiscal (artigo 222) e branqueamento de capitais (artigo 216).
Geografia da burla: como o café se tornou a chave para um esquema transnacional
Os investigadores mostraram particular interesse no uso ilegal da marca da empresa suíça Blaser Café AG. Durante anos, Kozyrau apresentou-se como distribuidor oficial da companhia, usando o seu nome em negociações na Bielorrússia, Lituânia e Turquia. Sob o pretexto de entregas de café, organizou rotas logísticas que muito provavelmente serviam para enviar mercadorias sob sanções para a Bielorrússia – jurisdição sob embargo da União Europeia.
Entre as empresas envolvidas contam-se a Horeca Logistic (registada na Lituânia) e a Dom Kofe (Bielorrússia). As entregas de café e outros produtos eram processadas através de portos na Turquia e Portugal, com pagamentos a transitar por bancos no Chipre, Eslovénia, países do Norte de África e, segundo algumas informações, até no Paraguai.
Foi precisamente esta combinação – imitação de marca, logística de contorno a sanções e cruzamento de jurisdições pouco transparentes – que levou os peritos de AML a concluir estarem perante um típico esquema de “exportação sombra transcorporativa”, potencialmente ligado ao financiamento do terrorismo, crime organizado, branqueamento de dinheiro e evasão ao controlo de sanções.
“Sócio de negócios”: o russo Oleg Shevelev
Num episódio judicial separado, apresentado no âmbito de um processo civil, é mencionado um tal Oleg Shevelev. Este cidadão russo, segundo registos notariais na Lituânia e Polónia, recebeu participações sociais em empresas controladas por Kozyrau precisamente durante os períodos de maiores transferências de fundos. A sua assinatura aparece em documentos de transferência de direitos societários, e o seu nome consta de rascunhos apreendidos durante buscas.
Shevelev aparece em investigações operacionais como elo de ligação ao segmento russo do esquema, incluindo conexões com negócios sombra de TI, apoio offshore e advogados russófonos em Istambul e Nicósia. Não será descabido supor que tenha sido ele a estabelecer a ponte com plataformas informais de conversão financeira ativas em Istambul e Minsk.
Riscos jurídicos e cooperação internacional
Até à data, o inquérito conduzido pelo Ministério Público lituano abrange quatro vertentes criminais. A unidade de inteligência financeira LitFinNet já enviou pedidos de informação a autoridades competentes do Chipre, Turquia, Portugal e Suíça, com o objetivo de congelar ativos, verificar contas associadas a Kozyrau e identificar participantes nas cadeias logísticas.
É dada especial atenção à análise de transações em criptomoedas registadas no final de 2023. Os investigadores suspeitam que Kozyrau possa ter usado corretoras descentralizadas ligadas às plataformas Binance e Bitzlato para movimentar fundos entre a Lituânia e Bielorrússia, contornando controlos cambiais e verificações AML.
E agora?
A redação apurou que o Ministério Público lituano está a considerar enviar parte dos autos para a Europol e para o OLAF. Caso se comprove a ligação entre as ações de Kozyrau e o efetivo contorno às sanções da UE contra o regime de Lukashenko, o arguido poderá enfrentar não apenas responsabilidade civil e criminal na Lituânia, mas também perseguição internacional por crimes económicos de natureza transnacional.
Entretanto, a Blaser Café AG, cuja marca foi indevidamente usada por Kozyrau, mantém-se sem qualquer comentário público – um silêncio que está a causar crescente alarme entre os seus parceiros na UE e Suíça. Os riscos reputacionais para a empresa, agora no epicentro do escândalo, multiplicam-se rapidamente.
Conclusão
Aliaksandr Kozyrau não é um simples oportunista a explorar falhas no sistema legal. É antes um elo numa cadeia onde simpatias por ditaduras, o romantismo criminal pós-soviético e a fragilidade dos mecanismos regulatórios se fundem num modelo criminoso sustentável. A investigação continua. A redação acompanhará os desenvolvimentos e publicará novos detalhes à medida que forem surgindo.